Porto alegre, 06-04-2013
Observo em minha prática docente que alguns termos
ligados ao conceito de letramento ainda são desconhecidos pelos professores,
seja na educação infantil, seja em outros níveis do ensino básico. Ouve-se
falar destes conceitos, as secretarias os trazem como “pincelados” em
discussões nas reuniões pedagógicas, existem subsecretarias nas redes de ensino
responsáveis por fazer acontecer nas práticas pedagógicas docentes nas escolas,
porém, parece-me que não estão claros para “ninguém” os significados, as
necessidades, a importância de se trabalhar com crianças o letramento desde os
berçários, bem como, os fazeres que efetivem o desenvolvimento e aprendizagens
das crianças no mundo da linguagem escrita.
É neste sentido de letramento que me refiro aqui, o
letramento literário, termo o qual considero recentemente estabelecido para
este fenômeno e no sentido de letramentos
até mesmo, pela complexidade dos conceitos extremamente amplos (claro que
para mim também, pensar a respeito é bastante recente, por isso, considero este
texto uma reflexão teórica x prática).
Para Street (1984, 1993), os letramentos dependem de
práticas culturais e sociais. Porém sabemos que as crianças têm chegado cada
vez mais cedo nas Escolas de educação infantil, os pais e familiares ausentes
detêm-se praticamente as ações de cuidados no pouco tempo em que estão com as
crianças, sendo assim a Escola acaba sendo a principal, se não a única agência
de letramento. Quando os fenômenos de letramentos não acontecem nem na Escola,
as crianças apresentarão dificuldades durante a sua vida escolar no processo de
alfabetização e interpretação de leitura escrita e de mundo. É o fenômeno em
que as pessoas são alfabetizadas, porém, não letradas.
Por outro lado, não basta à criança estar e viver no
meio letrado, mas é necessário participar de eventos de letramento. É
necessário um mediador, sejam pessoa física ou instrumento que assuma esta
função como a televisão, computador, livros e outros recursos mediadores de
eventos de letramentos.
O conceito de letramento busca significar as
competências de cada indivíduo, interpretação e uso da linguagem da escrita
(literária) e “aqui” na educação infantil, refiro-me ao uso ideológico do
letramento: “ O letramento como um conjunto de práticas sociais, enquanto
sistema simbólico [...] em contextos específicos, para objetivos específicos” (
cf. Scribner e Cole, 1981).
Vale ressaltar que a Escola geralmente contempla as
práticas de eventos de letramento que desenvolvem estruturas cognitivas para a
construção de aprendizagens relacionadas diretamente a alfabetização, quando
familiares, igrejas e lugares de trabalhos direcionam estes eventos
diferentemente, cada um segundo os seus objetivos ideológicos. A estes tipos de
letramentos podemos chamar de fenômenos de modelos autônomos, fechados em si
mesmos. Neste sentido devemos observar enquanto agentes de letramento
(professoras/ escola) que não adianta substituir os termos, mas, vivenciar uma
prática docente responsável, com planejamentos e metodologias que valorizam a
criança como protagonista das suas aprendizagens com práticas discursivas e
argumentativas.
Sabendo que as práticas de letramento mudam segundo o
contexto, na Escola basicamente por
caminhos de orientações letradas, um recurso importante pode ser a
diferenciação dos eventos de letramento, ou seja, situações em que o mundo da
escrita constitui-se essencialmente dando sentido às situações. Posso observar
que até mesmo dentro de uma mesma escola os professores trabalham de forma
diferente os eventos de letramento, segundo suas concepções, faixas etárias das
crianças e realidades do contexto da própria sala de aula (recursos disponíveis,
por exemplo). Sito em minha prática em uma turma na faixa etária de 4 anos
alguns eventos de letramento como hora do conto com a participação e autonomia
das crianças na própria interpretação das histórias, busca objetivas em livros
didáticos e/ou livros de literatura infantil, a leitura de imagens
oportunizando a criança que ela seja a contadora da história para o grupo,
identificação da editora, escritor, “quem fez os desenhos”, tipo de texto,
observação da entonação em diferentes tipos de textos, falar sobre os textos,
disponibilização dos livros para que a criança faça escolhas no interesse de
pegá-los, proporção de atividades que oportunizam a criança exercitar a escrita
considerando a psico-Gênesis da língua escrita, identificação legendada das coisas
dispostas na sala, identificação por parte da criança de todos os seus
pertences e “trabalhinhos” escrevendo seu nome, no nível em que compreendem a
escrita deste nome e registros feitos pela professora dos processos de
interpretação e aprendizagens das crianças para observação nos planejamentos e
avaliação destes processos. No entanto, mais do que a proposição de eventos de
letramento na Escola, se faz necessário ter uma concepção de professor mediador
dos processos de aprendizagens, só assim a escola pode ser formadora de
alfabetizados letrados e conscientes de sua cidadania.
É bem verdade que podemos encontrar pessoas
alfabetizadas, porém não letradas que não conseguem interpretar aquilo que lêem
ou até mesmo as imagens oferecidas para transmitir informações. Não são raras
as vezes que encontramos até mesmo adultos que têm grandes dificuldades de
raciocínio lógico e apesar de fazerem uma leitura conforme suas necessidades
básicas do mundo da escrita, quando questionados de forma um pouco mais
complexa, não sabem as respostas além do que os caracteres gráficos representam
em sua forma simbólica. Um exemplo disso é identificarem um remédio descrito na
receita pelo médico, mas, não questionarem as informações descritas na bula.
Outro exemplo é lerem um jornal e acreditarem em tudo o que está escrito (“está
escrito logo é verdadeiro”). É necessário educar as crianças, jovens e adultos
para lerem além do que está escrito, desenvolver competências para interpretar
as suas práticas, resolver problemas cotidianos, aprender a buscar as soluções,
aprender a aprender e a posicionar-se enquanto indivíduos conscientes e
atuantes na formação de suas próprias vidas e de transformação da sociedade em
que vivem. Elisângela Martins Rodrigues.