A grande e profunda característica da turminha na faixa etária de dois anos, é a capacidade de adaptação às mudanças. Em minha turma, novamente a professora, substituta que na semana passada havia se retirado para trabalhar em outra área, arrependeu-se e retornou. Observei que as crianças não perceberam que ela havia retornado porque não haviam detectado a sua saída. Isso ocorre devido às freqüentes mudanças que ocorrem nesta turminha. São tantas professoras que entram e saem (sempre as mesmas), que as crianças acreditam que faz parte da rotina. E, faz!
A profª retornou tão modificada e feliz! Neste retorno teve que fazer a escolha de voltar e descobrir que ser professora é a sua vocação. Percebemos todos com alegria que finalmente nossa colega descobriu o que já sabemos: Ser professora é nossa vida!
Uma coisa descobri: Quanto à um dos meninos que me preocupa por que quase não fala, decidi, eu mesma estudá-lo mais e melhor e, percebi que por causa das atividades direcionadas, ele acabou por interagir mais com os colegas e observei ele conversando com os coleguinhas. Constatação: Sua dificuldade é de socialização. Preciso colocá-lo mais em oportunidades em que possa construir relações com os colegas. Talvez desenvolver sua autonomia, pois, percebo que ele tem dificuldades em ações que exigem uma relação com o próprio corpo: fazer cocô na escola porque sabe que precisará se limpar ou chamar a professora para que lhe auxilie, por exemplo.
“A criança tem o corpo como meio de ação e reação através da noção do próprio corpo, a integração das noções de relação com o exterior...e a conexão com outras pessoas, através do contato corporal, da evolução dos gestos e da linguagem” (REVISTA DO PROFESSOR, PORTO ALEGRE, 8(30): 12-18, ABRIL/JUNHO. 1992)
Nas atividades livres, fora do planejamento, aproveitei para improvisar as brincadeiras conforme o interesse momentâneo das crianças. Na 4ª feira por exemplo, um aluno trouxe um balão e todas as crianças queriam brincar de balões. Enchemos balões e a sala de aula virou uma “festa de aniversário” (de faz de conta).
As horas da rodinha transformaram-se em momentos esperados por todos. Passei a demonstrar todos os dias, as aprendizagens que eu queria desenvolver com as crianças, através de contos e interpretações. O piniquinho foi pra rodinha, sempre acompanhado de um bebê e com ele acompanhamos durante a semana as possibilidades do desenvolvimento de uma criança desde o seu nascimento. Com isso as crianças passaram a ter interesse em superar desafios e alcançar algumas conquistas porque o bebê também podia crescer e fazer. O momento mais impressionante da minha vida profissional, aconteceu na quinta feira quando depois da rodinha, uma aluna que usa fraldas, após fazer cocô na fralda, foi sozinha ao banheiro e colocou o cocô no vaso, dando tchauzinho e tudo. Foi tão emocionante! Como, para uma criança de dois anos, as mensagens são absorvidas com tamanha profundidade e rapidez! Ainda na referência citada acima, o texto aponta “os gestos do corpo que vão levar o indivíduo consciência de seus limites e possibilidades”.
Ainda apresentando atividades conforme o interesse dos alunos na “hora da brincadeira livre”: trouxe os jogos de quebra-cabeças, de encaixar, de formas geométricas e blocos de madeiras etc., para observar até onde as crianças conseguiam compreender os processos do jogo. Surpreendi-me, ainda bem! Um aluno que tem a característica de estar sempre de mau humor e não ter interesse pelas brincadeiras, demonstrou muito interesse por quebra-cabeças e esta num estágio de construção do conceito de conservação. Ainda flagramos ele colocando todas as bonecas em ordem para que todas pudessem ser protegidas com o cobertor e receberem a sua atenção. Este sentimento de sensibilidades se dá ao fato de estar, construindo uma relação com um irmão o qual não mantinha contato.
Aproveitei a deixa de uma aluninha que havia trazido uma boneca sem calcinha para a sala (queixou-se que na casa dela não tinha calcinhas de boneca) e, juntos, costuramos calcinhas para todas as bonecas da sala, afinal, para fazer xixi e cocô no piniquinho ou no vaso, é necessário tirar a calcinha.
Direcionei meu foco para as questões de relacionamento com o próprio corpo e percebi que todos sabem ajudar a colocar suas próprias roupas. Segurar o punho das blusas, por exemplo. Erguer a perna para colocar a calça, tirar casacos. Os que fazem, é porque não tem o costume e ficam imobilizados deixando as mamães fazerem tudo. Quando deixei de fazer para observar o quanto podiam, podem tudo. Percebi que ficaram surpresos de eu apenas ficar olhando lidar com suas próprias roupas, como se realmente não soubessem que isso fosse possível.
As crianças já construíram o conceito de rosto, já sabem o que faz parte de seu contexto e a disposição dos olhos, boca, nariz e orelhas. Sei disso porque nas cantigas, fazem sem imitar, mas, colocando a mão onde localizam-se. O bebê que está passeando nas casas das crianças já tem um rosto e um nome: Chama-se Quico e é um menino, as crianças estão bem empolgadas e demonstram uma relação afetiva com o bebê. Tem sido descobertas muito bacanas para mim.
Um exemplo dessas descobertas, também é, o cantar para todos os meus desejos. Em tudo o que quero falo cantando e as crianças vão obedecendo como se executando verdadeiras ordens unidas e toques de trombetas disfarçadas de canção. Sei lá, mas, é muito impressionante!
Devo registrar também que recebemos a professora nova, nomeada para vir comigo, assumir esta turma. Acredito que agora não haja mais tantas mudanças, pois, não necessitaremos mais de professoras substitutas.
Um comentário:
Olá, Elisângela:
Adoro ler tuas postagens, pois descreves minusiosamente a situação dos alunos mostrando suas superações e o que ainda deve ser trabalhado. Demonstra, além disso, respaldo teórico que te auxilia no entendimento das situações.
Grande abraço, Anice.
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